Crítica-HQ: Ye, de Guilherme Petreca, traz metáfora e impacto visual sobre enfrentar o medo

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Na bibliografia de autores de quadrinhos, alguns se insurgem em uma primeira leitura por conta do impacto visual do desenho, uns pela narrativa ousada ou inventiva, outros pela desconstrução que fazem desses dois elementos. Guilherme Petreca faz parte do primeiro grupo. Seu traço tem o efeito de um golpe à primeira olhada em suas páginas. Ye, sua terceira HQ e a primeira lançada por uma editora, é o melhor resumo do seu estilo: uma narrativa baseada antes de tudo pelo deleite visual.

Ye mistura elementos de fantasia medieval com elementos da cultura andina em uma narrativa voltada para um público infantojuvenil. A trama conta a história de um garoto ingênuo que consegue apenas balbuciar a palavra “ye”, o que acabou tornando-se o seu nome. Em uma típica jornada do herói ele parte em busca de uma cura para uma mazela que lhe foi dada pelo Rei Sem Cor. Saindo de seu vilarejo pobre à procura de uma bruxa Ye tem encontros com piratas, mágicos, demônios e palhaços.

É nessa jornada que vamos conhecendo todas as referências que Petreca utiliza nesta sua HQ mais elaborada. Estão aqui a cultura da Europa Oriental, contos medievais e toda a sua mitologia, histórias de Sandman de Neil Gaiman, literatura de fantasia e desenhos de Hayao Miyazaki. Deste último o autor se apropria com inteligência do mote da ingenuidade versus o caos, a exemplo de A Viagem de Chihiro e outros longas. O clima da história, que oscila entre a leveza e o drama também são típicos da assinatura do autor japonês.

As narrativas sobre amadurecimento já tão exploradas na cultura pop ganha aqui saídas que reforçam a originalidade de Ye. É o caso desse retalho de referências, mas sobretudo do desenvolvimento que faz dos personagens. O Rei Sem Cor é um bom exemplo disso. O modo como o autor explica a real natureza do vilão da HQ sem apelar para uma complexidade exagerada cria uma boa relação com o leitor. As metáforas aparecem ligadas ao desenho e são construídas ao longo da narrativa. E com isso, descobrimos tudo ao lado do protagonista.

Os retalhos trazidos por Petreca para sua trama aparecem bem costurados: o contraste da América do Sul rural com os castelos da Europa Oriental, os piratas e o circo convidam a uma análise mais aprofundada sobre o imaginário desses elementos. E isso vai bem além de uma resenha. O que fica claro logo de cara é que essa misturada deu origem a um mundo muito particular.

Ye fala de enfrentar nossos medos, nossa insegurança e, com poeticidade, nos leva a refletir. É um dos trabalhos mais interessante lançados no mercado nacional deste ano. E isso vindo de uma HQ de formação é algo que impressiona. Autor das obras curtas Galho Seco (Independente, 2014) e Carnaval dos Meus Demônios (Balão, 2015), Petreca consegue dar o merecido destaque ao seu estilo nesta nova HQ. É uma carta de referências do autor, um resultado da busca por uma voz e traço com personalidade.

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Erramos: uma versão anterior do post dizia que Petreca era autor de Sábado de Meus Amores, que é uma HQ de Marcello Quintanilha. Na verdade o nome certo da obra é Carnaval dos Meus Demônios. O post foi corrigido.

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