Crítica – HQ: Violent Cases, de Neil Gaiman e Dave McKean

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Após anos fora de catálogo, HQ chega em nova edição. (Divulgaçao).
Após anos fora de catálogo, HQ chega em nova edição. (Divulgaçao).

Gaiman e McKean conduzem leitor por espaços sombrios da mente de uma criança

Por Murilo Reis

Todo grande artista tem aquele momento tido como crucial para sua carreira. Pode-se dizer que Violent Cases seja o título que represente essa guinada na vida dos britânicos Neil Gaiman e Dave McKean. Antes de serem consagrados respectivamente como roteirista e capista da série em quadrinhos Sandman, eles eram apenas um jornalista que começava a criar suas primeiras histórias e um artista plástico que buscava novos rumos. O título, em falta nas prateleiras brasileiras desde 2008, foi relançado no segundo semestre de 2014 pela editora Aleph, que vem se destacando com a publicação de ótimas edições para títulos de ficção científica.

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Lançado originalmente em 1987 na Inglaterra, Violent Cases é baseado em um conto da autoria de Gaiman sobre a verdade e a confiabilidade das memórias de uma criança. Para se ter ideia do quão complicado isso pode ser, é só assistir ao filme dinamarquês A Caça, dirigido por Thomas Vinterberg. Nesta história em quadrinhos o tema não é abordado pelo viés desconfortável da pedofilia. A violência retratada se dá pelo gigantismo com que as coisas parecem ter aos olhos de uma criança, período em que tudo é novidade.

A partir da lembrança de um episódio em que machucou o braço quando tinha apenas quatro anos, o narrador (fisicamente inspirado no próprio Gaiman) conta uma série de episódios que estão ligados ao fato de ter sido atendido pelo mesmo médico do famoso gangster de Chicago, Al Capone. Neil Gaiman conduz o leitor a espaços sombrios, com rostos nebulosos, transitando entre festas infantis e guerras entre criminosos. Nem tudo foi presenciado por aquele garoto. Muito do que conta é baseado no que seus pais e avós lhe explicaram com a habitual impaciência de quem lida com uma criança curiosa. Os acontecimentos de que foi testemunha ocular também correm o risco de não serem verossímeis, pois foram flagrados pela ótica de um menino que pouco conhecia o mundo.

Obra representou guinada na carreira de Gaiman. (Divulgação).
Obra representou guinada na carreira de Gaiman. (Divulgação).

O adulto que conta a história só quer se ater aos fatos. Mas seriam esses fatos verdadeiros ou apenas uma cortina de fumaça criada pela mente de uma criança? Assim, memórias de infância se misturam a um passado brutal. A arte surreal de Dave McKean, então inspirada no traço marcante do americano Bill Sienkiewicz (Demolidor, Elektra), contribui para que cada quadro esteja em perfeita sintonia com os fatos incertos da história.

Há ainda o jogo linguístico presente no título. Em nota emitida ao final do livro, o tradutor Érico Assis mostra que há um interessante jogo de significados, que pode remeter a “casos violentos” ou “estojos violentos” (em referência às malas utilizadas por gângsteres para transportarem suas metralhadoras). Em texto introdutório escrito para a edição original de 1987 (presente nesta edição), Alan Moore, que sempre se mostrou preocupado com a maturidade das histórias em quadrinhos (vide Watchmen), aponta para um público de leitores mais exigente, que quer algo além dos clichês caça-níqueis comuns às editoras de super-heróis. Violent Cases certamente é para esse tipo de consumidor.

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De Neil Gaiman e Dave McKean
[Aleph, 64 páginas, R$ 39,90 / EUA]
Tradução: Érico Assis

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