Crítica-HQ: Me & Devil, de Alcimar Frazão

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Divulgação/Bimbo Groovy.
Divulgação/Bimbo Groovy.

HQ brasileira reconta o mito do blues demoníaco de Robert Johnson
Me & Devil, de Alcimar Frazão, contextualiza o cenário de violência e racismo dos EUA no início do século passado

Dentro da música popular, poucos mitos foram tão bem alimentados quanto Robert Johnson, ícone norte-americano do blues, cuja história sempre ganhou contornos míticos, que envolvem pacto com demônio. O quadrinista brasileiro Alcimar Frazão parte dessas lendas para criar uma obra que coloca em perspectiva o cenário de preconceito racial e violência do sul norte-americano do início do século 20 no álbum Me & Devil.

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A lenda mais recorrente e contada por décadas é que Johnson teria vendido sua alma ao diabo e troca do virtuosismo na guitarra. O demônio teria afinado suas cordas, conferindo um som que ninguém mais seria capaz de alcançar. A HQ se aproveita desse mote riquíssimo para criar uma história sem nenhum texto, de forte impacto visual.

Frazão ainda reimagina a morte do músico, que teria sido perseguido por cães até ser morto na mesma encruzilhada onde teria encontrado o demônio com quem fez o pacto. Nascido em 1911, em Greenwood, no Mississipi, EUA, Johnson veio de uma família pobre no sul incrivelmente racista dos EUA no início do século passado. Contra todas as adversidades possíveis para um jovem negro da época, ele se tornou um dos nomes mais influentes do blues. Foi ele quem popularizou o padrão dos doze compassos usados no gênero.

Sua biografia é recheada de lacunas, o que abriu margens para criação de diversas lendas sobre sua vida. Até sua data de nascimento – 1911 – não é unanimidade entre seus estudiosos. Até sua morte, aos 27 anos, Johnson gravou apenas 29 faixas, a maioria em uma lendária sessão de gravação no Texas, em 1936. Sua morte ainda é um mistério. Há teorias que indicam envenenamento causado por motivos passionais, sífilis, e como imagina Frazão, por uma perseguição de cães negros.

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Me & Devil aposta no uso do preto e branco e no traço ríspido para dar o tom de uma história de terror. Ainda usa elementos do imaginário sulista dos EUA, com seu misticismo, religião, ruelas vazias, bares fuleiros e muito whisky. A decisão de fazer uma narrativa “sem som” deu uma experiência ainda mais impactante para a história de Johnson.

É uma obra com um humanismo muito forte, extraindo o lado mais melancólico do mito do maior músico de blues que já existiu. É uma história que não pode ser entendida sem contextualizar o racismo e a violência que permeavam as relações daquele período. E Frazão consegue transpor isso aos quadrinhos muito bem.

meedevilME & DEVIL
De Alcimar Frazão (texto e arte)
[Bimbo Groovy, 40 págs, R$ 25 / 2013]
Compre pelo site do selo.

Nota: 8,0

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