Crítica – HQ: Demolidor – Fim dos Dias, de Brian Michael Bendis e Klaus Janson

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Foto: Divulgação.
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Hiperviolência, pessimismo e morte nas HQs
Fim dos Dias é clássico do Demolidor sobre o fim do idealismo dos super-heróis

Por Paulo Floro

A série Fim dos Dias entra para a biblioteca rica de boas histórias do Demolidor, um dos personagens da Marvel que mais esteve na vanguarda dos quadrinhos mainstream dos EUA. São poucas fases ruins e uma profusão de autores talentosos que trabalham com o herói nos últimos 40 anos. Nesta HQ que a Panini lança em dois encadernados, Brian Michael Bendis e David Mack contam como foram os últimos momentos de Matt Murdock/Demolidor pelos olhos do repórter e amigo de longa data, Ben Urich.

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Nesta realidade alternativa, Demolidor foi morto por Mercenário, seu arqui-inimigo, em uma luta extremamente violenta assistida e registrada por todo mundo nas ruas de Nova York. O Rei do Crime, talvez o maior vilão das histórias do personagem, também está morto. Os parceiros vigilantes, como a ninja Elektra, se aposentaram. Mas Ben Urich, hoje um repórter no decadente jornal Clarim Diário, ainda tem uma última história para contar: que segredo escondia Murdock?

Antes de morrer nas mãos do Mercenário, o Demolidor balbucia a palavra “Mapone”. Com esse fiapo de pista, Urich passa por cima das ordens de seu chefe para investigar esse mistério envolvendo a morte do herói a partir da descoberta do significado desta palavra. Ele parte em busca de pessoas ligadas a Matt Murdock.

A história faz referência ao clássico Cidadão Kane (1941), de Orson Welles. No longa, há um grande mistério envolvendo a palavra “rosebud”, dita pelo magnata das comunicações Charles Foster Kane antes de morrer. A ideia de Fim dos Dias fez parte da estratégia da Marvel em contar os últimos dias de heróis famosos da editora, o que rendeu ótimas obras escritas dentro da maior liberdade criativa possível para autores na Casa das Ideias: não se ater às cronologias nem interlocuções com outros títulos. Estão nesse bolo HQs como Justiceiro – O Fim (publicado em Justiceiro Anual 2, Panini), Quarteto Fantástico – O Fim (Salvat), entre outros.

Em Fim dos Dias os autores Brian Michael Bendis, David Mack e Klaus Janson esbanjam um conhecimento e familiaridade com o personagem como poucos autores na Marvel. Ao lado de Frank Miller eles foram responsáveis por clássicos dos quadrinhos de super-heróis. E fizeram isso contrariando convenções da própria Marvel seja na narrativa ou nos argumentos. Eles reinventaram o personagem como um justiceiro sombrio e violento, com doses de violência pouco vista nos quadrinhos mainstream dos EUA. Com o tempo o personagem foi “blindado” das doidices feitas pela alta direção da editora, como megassagas feitas para vender revistas e atrair atenção midiática. Tornou-se, feitas as ressalvas, um ícone cult dentro do gênero.

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Antes da atual fase do personagem escrita por Mark Waid e voltada para uma proposta ‘divertida’ e dinâmica que reverte o tom soturno e monocórdico criado até então, Brian Bendis foi responsável por uma das melhores fases do Demolidor em anos. Com desenhos de Alex Maleev (que assina algumas capas de Fim dos Dias), o título foi bastante elogiado e lançou bases para histórias de vigilantes noturnos da Marvel.

Fim dos Dias é o epílogo dessa ótima fase do Demolidor e eleva às últimas consequências conceitos trabalhados pelos autores responsáveis por remodelar o personagem. Uma delas – e talvez a mais importante – é o uso da hiperviolência como algo além da estética. É um recurso narrativo que serve para entender o mundo do crime como algo absurdo. E ao contrário de HQs que colocam super-heróis em pedestais, aqui o protagonista também se vê em meio ao torpor de sangue e morte. É algo que ninguém está imune. Ao nos mostrar uma ótica do indivíduo comum – no caso o repórter Ben Urich – a experiência se torna ainda mais perturbadora. O tom pessimista aqui se alinha a outras obras importantes das HQs como Batman – O Cavaleiro das Trevas e Demolidor – A Queda de Murdock, ambas com críticas ao sistema e às instituições que abandonaram a população, assim como os super-heróis. É uma mensagem forte de que a luta dos poderosos uniformizados contra o crime e às injustiças, ao final, não lograram êxito.

A qualidade da obra também está presente no uso da narrativa entrecortada, cheia de elipses e reflexões. Aqui, o grande mérito é do desenhista Klaus Janson, que usou designs de páginas que desconstroem a narrativa clássica dos quadrinhos. O artista contou com a arte-final suja e dramática de Bill Sienkiewicz (de Elektra Assassina), um dos nomes mais importantes na história do personagem. Misto de suspense policial com ensaio sobre morte, justiça e amizade, Fim dos Dias é mais um clássico do Demolidor.

A Panini lança a obra no Brasil em duas partes encadernadas e preço dentro do razoável (graças a deus!), sem capa dura nem acabamento luxuoso que fazem algumas HQs custarem perto dos 100 reais.

demolidor2DEMOLIDOR – FIM DOS DIAS
De Brian Michael Bendis e David Mack (roteiro) e Klaus Janson (arte), Bill Sienkiewicz (arte-final)
[Panini Comics, 124 págs, R$ 18,90 / Marvel Comics]
Tradução: Paulo França e Fernando Lopes

8,5

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