Crítica: Habibi, de Craig Thompson

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HQ Habibi traz novo olhar sobre a cultura árabe
Obra de Craig Thompson usa Islã como pano de fundo para contar história de amor que ultrassa barreiras de raça, idade e gênero

Por Paulo Floro

Craig Thompson foi até o Islã para contar mais uma saga de amor utilizando referências únicas dos quadrinhos, experimentando na linguagem e criando uma narrativa visual que trabalha bem com tipografia, balões, enquadramentos e ilustração. Na trama, dois escravos fugidos tentam sobreviver ao passo que desenvolvem uma relação que vai durar uma vida inteira e enfrentar diversas dificuldade. Autor de Retalhos, em que joga os olhos sobre o mundo cristão conservador e as descobertas da adolescência, o americano inova ao trazer um novo olhar sobre o mundo árabe, cultura ainda pouco compreendida no Ocidente e cujo povo está sempre na berlinda – de uma maneira não muito positiva – através dos noticiários dos conflitos no Oriente Médio.

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Não temos em Habibi um orientalismo exarcebado, mas sim uma história com heróis e vilões, como em todas as narrativas clássicas. Como toda cultura, o Islã também tem suas contradições, e isso vai ficando claro ao longo da HQ. A história começa mostrando a menina Dodola sendo casado aos 12 anos com um homem bem mais velho que trabalha fazendo manuscritos. Seus pais precisavam de dinheiro, e como era costume na época, faziam transações através dos matrimônios dos filhos. Depois de ser atacada por uma gangue de saqueadores do deserto, ela é vendida como escrava. É no cativeiro que conhece Zam, um menino de quatro anos, por quem desenvolve uma relação materno-fraternal.

Os dois fogem e passam a viver em um barco encravado no meio das areias do deserto. Fazendo referência ao clássico As Mil E Uma Noites, Habibi vai tecendo histórias sobre a cultura islâmica, trazendo trechos do Corão, além de lendas. O mais instigante na leitura é como Thompson vai usando a caligrafia árabe para explicar conceitos abstratos, temas ligados à religião e elementos que serão utilizados na trama. Para quem quiser se aprofundar na cultura árabe, que como somos deparados aqui é riquíssima, vai ter muito pano de fundo para ir atrás. Mas, como o autor já revelou em entrevistas, a ideia da HQ é mesmo contar uma história de amor, e prendendo-se apenas a isso, temos uma obra cheia de reviravoltas, com texto afiado e com clima de aventura que prende a atenção do leitor.

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Mas, claro que é difícil não prestar atenção nos detalhes em Habibi. Não ficar contemplando todo o trabalho de pesquisa e esmero artístico que o autor teve ao retratar a cultura árabe. Alguns estudiosos de HQs americanas e até mesmo críticos brasileiros torceram o nariz para a obra, ao dizer que ela tenta fazer um retrato humanizado dos árabes para os EUA. Sobretudo no atual momento político que vive a questão Árabe-Palestina, o livro seria uma espécie de contra-proposta frente à opinião pública.

Claro, há uma romantização presente na HQ, mas Habibi é antes uma intrincada e bem feita história de amor do que um libelo pró ou anti-árabe. Diversos aspectos da cultura Oriental, e isso inclui até mesmo a Índia e outros povos, aparecem em Habibi desempenhando diversos papéis. Como os quadrinhos ainda carecem de espaços que privilegiem outras culturas, a obra de Thompson causa tanto estranheza como admiração. O modo como as HQs, sobretudo americanas, retrataram outras culturas sempre foi algo tanto quanto rasteiro. Ao lado da bibliografia de Joe Sacco e seus relatos jornalísticos, Habibi preenche lacunas.

Livrão com quase um quilo e meio, Habibi é uma HQ com uma trama empolgante e conta com a vantagem de trazer surpresas reveladas pelo ainda pouco conhecido Islã.

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Craig Thompson
[Companhia das Letras/Quadrinhos na Cia, 672 págs, R$ 57]
Tradução: Érico Assis

Nota: 8,6

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