Crítica: Entre Nós, de Paulo Morelli

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Foto: Divulgação/Downtown.
Foto: Divulgação/Downtown.

Entre Nós é raro representante do suspense psicológico brasileiro

Que estrago pode fazer um trauma entre um grupo de pessoas é o mote investigativo de Entre Nós, suspense psicológico brasileiro que estreia esta semana no Brasil. E quando esse trauma é alimentado às escondidas por dez anos, como um mofo que ninguém dá atenção, o estrago é muito maior. A história mostra um grupo de jovens escritores que viajam para uma casa de campo onde escrevem cartas que serão desenterradas dez anos depois.

O filme do diretor Paulo Morelli tem uma proposta pouco explorada no cinema nacional, que é focar na dinâmica entre atores como base da narrativa. É o que faz muito bem nomes como Woody Allen, Pedro Almodóvar, John Cassavetes. Morelli e seu filho Pedro Morelli (que coassina o roteiro) tentam reproduzir o estilo, mas isso não acontece fácil, o que fica evidente em tela. Há um esforço para criar uma noção de intimidade dos personagens com o público.

A primeira parte do longa parece desempenhar esse papel. Os jovens aspirantes a escritores comemoram a finalização do livro de um deles e celebram a juventude e os sonhos de ficarem famosos um dia. Há muito diálogo solto para dar noção de espontaneidade, mas a estratégia acaba dando frouxidão à narrativa – é difícil se prender a um fiapo de trama sem muita substância. Apesar do carisma dos personagens de Caio Blat, Maria Ribeiro e Lee Taylor, a intimidade parece forçada.

Tudo muda na segunda metade do longa – que ganha um contorno de suspense muito mais interessante. Parece até que temos dois filmes: o primeiro é uma introdução com recheio ralo, que serve para dar clima e peso aos personagens (o que não rolou) e o segundo é uma trama bem construída sobre como uma ferida aberta guardada por tanto tempo pode abalar a estrutura de uma amizade. Neste pedaço da história acompanhamos Felipe, personagem de Caio Blat, que sobrevive a um acidente de carro com seu melhor amigo, Rafa (Taylor).

Foto: Divulgação/Downtown.
Longa tem duas partes distintas: uma instigante, outra arrastada (Foto: Divulgação/Downtown).

Felipe foi a única pessoa a ler o romance praticamente finalizado de seu amigo, reconhecido entre seus amigos como a mais possível promessa literária. Um segredo envolvendo a morte de Rafa vem à tona durante o reencontro na mesma casa de campo dez anos depois. E é essa revelação que sustenta essa metade final da trama. Morelli cria tensões em diversos enlaces – há casamentos em crise, amores não correspondidos, mentiras, tudo muito bem explorado. Aproveita ainda para contextualizar gerações, mostrando um grupo envelhecido e carrancudo, de perspectivas rasas sobre o futuro (o ano é 2002 e Lula está prestes a ser eleito – mas o grupo é um claro contraste ao clima que dominava o País na época).

Um tom de pessimismo domina esta segunda parte, evidenciada pelos dilemas não resolvidos desse grupo de amigos. Há algo de cruel na revelação de cartas feitas por jovens que hoje são menos que uma lembrança. Mas é também desse reencontro que reside uma esperança em todos de que algo pode mudar. Os momentos finais do filme conseguem achar espaço para desenvolver melhor a trama de personagens que aparecem de relance no início, como Drica (Martha Nowill, ótima) e Café (Júlio Andrade). Mas é Carolina Dieckmann quem rouba a cena.

Os Morelli souberam explorar a beleza da atriz para dar um clima ainda mais melancólico ao filme. Carolina, ao lado da bela paisagem da serra, é responsável por esse contraste entre a desolação interior e a aparência externa onde tudo parece perfeito. Sem falar na sua capacidade de dizer bastante com sua expressão facial. Já Caio Blat cumpre bem seu papel de um escritor de sucesso, cínico, gótico, mas que esconde uma fragilidade causada pelo segredo que carrega.

Entre Nós tem uma assinatura muito própria, distante da filmografia conhecida do cinema brasileiro – apenas por isso já merece ser louvado. Pena que tenha sido prejudicado por uma narrativa tão arrastada em seu início quando a simples memória dos personagens teria sido suficiente. Ao final da projeção, o roteiro parece ter cumprido seu intuito: o passado pode ser cruel mesmo quando belo.

entre-nos-cartazENTRE NÓS
De Paulo Morelli
[BRA, 2014 / Downtown Filmes]
Com Caio Blat, Carolina Dieckmann, Maria Ribeiro, Paulo Vilhena

Nota: 6,5

https://www.youtube.com/watch?v=G-3vg1YNqpM