Crítica – Disco: Maria Bethânia | Meus Quintais

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Foto: Robson Caramendes / Divulgação.
Foto: Robson Caramendes / Divulgação.

QUINTAL DE CASA
Novo disco de Maria Bethânia traz guia sentimental e histórico pelas tradições esquecidas

Por Eduardo Dias

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Carregado de simbolismo no título do álbum, Maria Bethânia anuncia que o disco vai retratar com reverência e certa nostalgia o Brasil que ela vê por meio do quintal de sua casa na infância. “Alguma Voz”, faixa que abre o disco, relembra o pé de criança na terra, as brincadeiras com o irmão Caetano e toda a reverência para a mãe falecida em 2012 (Meus Quintais é o primeiro disco de inéditas após o falecimento de Dona Canô).

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“Mãe Maria” é a única regravação. Bethânia gravou a canção do repertório de Dalva de Oliveira no álbum Pássaro Proibido em 1976) do disco que entra para registrar essa ausência física/presença espiritual. Como sempre foi muito ligada à mãe, pessoal e artisticamente, o disco se conecta com esse sentimento de saudade e nostalgia de um tempo em que Dona Canô sempre esteve presente.

“Xavante” é um hino para esse Brasil indígena de contato constante com a terra que está perdido no tempo e na memória. Seguindo na tradição rural, Bethânia explora em “Casa de Caboclo” e “Lua Bonita” a tradição desse passado – que é muito presente nela mesma – menos urbano, distante do progresso do concreto e das cercas eletrificadas. Não à toa, os arranjos dessas canções exploram a delicadeza do teclado e do acordeão. A voz, sempre potente, e seu canto único valorizam as palavras com “economia” de técnica vocal.

“Candeeiro Velho” resgata toda a tradição rural e interiorana em um samba de roda apaixonado. Com a ajuda de um coro, Bethânia aproxima nossa audição dessa roda de samba que conecta passado e presente da música, das pessoas e das cidades do interior.

Canções como “Imbelezô eu/ Vento de Lá”, “Moda de Onça”, “Povos do Brasil” e “Folia de Reis” reverenciam a formação cultural e musical do Brasil em letra e música. Quando se coloca nesse cenário, ela agradece, por certo, a formação musical plural que teve desde a infância em Santo Amaro, a adolescência em Salvador e a vida adulta percorrendo os diversos cantos do Brasil cantando.

“Dindi” (Tom Jobim e Aloysion de Oliveira) fecha o álbum relembrando que o resgate das memórias se faz também através da música. O arranjo leve e, mais uma vez delicado, transforma a voz da cantora em instrumento transcendental, que fica na memória e que sempre é o primeiro resgate de seus admiradores.

Meus Quintais conta com duas músicas assinadas por Chico César, “Xavante” e “Arco da Velha Índia”, que, ele conta, fez em homenagem à própria Bethânia. Adriana Calcanhoto assina a canção “Uma Iara” que foi unida ao texto de Clarice Lispector Uma Perigosa Yara (última parceria da cantora com o diretor Fauzi Arap). “Arco da Velha Índia” e “Uma Iara/Perigosa Yara” foram interpretadas sob uma inspiração única e comovente.

Meus Quintais é, como todo trabalho de Maria Bethânia, carregado de sentimentos e simbolismos que fazem da música uma experiência de vida porque é aprendizado – musical e emocional.

meus quintaisMARIA BETHÂNIA
Meus Quintais
[Biscoito Fino, 2014]
[Recomendado]
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Nota: 8,6