Crítica: Asterios Polyp, de David Mazzuchelli

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QUEM É ASTERIOS POLYP?
Passeando por possibilidades narrativas dos quadrinhos, HQ é inquietante ao divagar sobre estética e filosofia de forma envolvente

Por Alexandre Figueirôa
Da Revista O Grito!

O excelente nível alcançado pelas graphic-novels nos obriga a vez por outra dar uma passada nas prateleiras das livrarias, nos setores dedicados aos quadrinhos, em busca de algo interessante. E foi numa dessas olhadas despretensiosas que me deparei com Asterios Polyp, do conhecido quadrinista David Mazzuchelli, um lançamento da Quadrinhos na Cia. e, sem sombra de dúvidas, uma obra incontornável para quem acredita na possibilidade de uma história em quadrinhos ser muito mais do que um entretenimento ligeiro. Inteligente, irônica, com um humor refinado, capaz de divagar sobre estética e filosofia e ainda passear por todas as possibilidades narrativas dos quadrinhos, Asterios Polyp é um trabalho que revela ao mesmo tempo maturidade e inquietação.

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David Mazzuchelli, convenhamos, tem cancha para ousar e faz isto como ninguém. Afinal sua trajetória revela um autor que desde cedo se pautou por investir na criatividade e no novo. Ele começou sua carreira bem jovem e aos 24 anos já era o desenhista do super-herói Demolidor escrita por um dos papas das HQ’s, o legendário Frank Miller. Eles voltariam a trabalhar juntos em Batman-Ano Um, que se tornaria, a partir de então, uma referência para todos os desdobramentos com o homem-morcego – filmes, games e desenhos animados.

Cansado das limitações impostas pelas editoras de gibis de super-heróis, Mazzuchelli resolveu então partir para experiências mais pessoais em que pudesse desenvolver histórias e desenhos que não seguissem padrões. Desta inquietação surgiram as histórias de Rubber Blanket, inicialmente rejeitada por editores, mas que foram lançadas depois com o próprio autor bancando a publicação. As histórias foram publicadas em formato de livro na França e na Itália e Mazzuchelli, graças ao prestígio internacional obtido, foi convidado pelos que anteriormente o rejeitaram, para fazer novos trabalhos desta feita com mais liberdade de criação. Mesmo assim, questionando sobre seu próprio trabalho, o quadrinista entrou numa fase de recesso criativo.

Asterios Polyp surge, portanto, depois de anos de hibernação do autor na publicação de novas histórias, período em que se dedicou exclusivamente a dar aulas na School of Visual Arts, em Nova York. Nesta sua primeira graphic novel, encontraremos reunidos diversos temas e elementos gráficos que acompanharam Mazzuchelli desde os tempos de Demolidor – como a sequência de histórias ” A Queda de Murdock”, identidade secreta do herói cego que perde tudo, até a sanidade e dá a volta por cima – e de Rubber Blanket – em que numa das histórias, um homem abandona a família e vai para o deserto com uma luneta ao descobrir que um asteroide passara próximo da Terra, ameaçando destruí-la.

Asterios Polyp

O Asterios do título é um arrogante e mulherengo arquiteto cinquentão em crise depois de ter seu apartamento incendiado por um raio que atinge o edifício onde mora. Apenas com a roupa do corpo e uns poucos objetos pessoais, ele pega um ônibus e sai pelos Estados Unidos até encontrar uma família simples com quem passa a conviver. Ele começa então a pensar sobre sua existência até ali, relembrando fatos de sua juventude, de sua carreira como um renomado professor de arquitetura conhecido apenas pelos seus trabalhos teóricos, e também de sua vida amorosa.

Esta trama aparentemente banal é o gancho para Mazzuchelli desenvolver um trabalho primoroso em que vemos emergir personagens complexos e multifacetados com diálogos cujos conteúdos sugerem uma delicada reflexão sobre o sentido da vida, as escolhas que fazemos, nossas reações diante dos fatos imponderáveis que podem mudar o rumo de nossas existências e também de como elaborar uma representação do mundo é uma escolha de ordem estética.

E o melhor: sem perder o fio da narrativa, o quadrinista emoldura os acontecimentos narrados numa profusa rede de recursos visuais em que se mesclam harmoniosamente a simplicidade do traço e a riqueza de elementos gráficos que vão adicionar a narrativa uma outra camada de significação cujo efeito é o enriquecimento da nossa percepção da história em si, e também do seu processo de elaboração. Apesar desta sofisticada construção, Asterios Polyp está longe de ser uma leitura enfadonha. É envolvente em todos os sentidos e faz jus aos prêmios que conquistou.

Asterios Polyp CapaASTERIOS POLYP
David Mazzuchelli
[Quadrinhos na Cia./Companhia das Letras, 344 págs, R$ 63]
Tradução: Érico Assis

Nota: 10.0

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Alexandre Figueirôa é editor-executivo da Revista O Grito! e doutor em cinema pela universidade de Sorbonne – Paris IV.

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