Crítica: A Ilha do Medo

ilhadomedo

A GRAÇA DE A ILHA DO MEDO
Scorcese mixa referências e influências em seu filme-homenagem ao cinema B

O que poderia ser uma simples investigação, se torna uma terrível perseguição por corredores de um labirinto obscuro da natureza humana. Ilha do Medo – que estreou mundialmente no Festival de Berlim, fora da competição oficial do evento – é um daqueles filmes que prende a atenção até o final, para o bem e para o mal.

Em 1954, o detetive federal Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) chega de balsa em Ashecliffe Hospital, uma “fortaleza” localizada numa ilha que teoricamente deveria servir para curar a insanidade de pacientes criminosos. Teddy está lá para solucionar o misterioso desaparecimento de uma prisioneira que afogou os seus três filhos. Como ela teria fugido? O quarto onde ficava era constantemente monitorado, estava completamente intacto e a porta trancada por fora.

O grande problema para Teddy é que logo ele começa a sentir que ninguém está a seu favor, a começar pelo enigmático diretor Dr. Cawley (Ben Kingsley), passando pelos médicos e enfermeiras que chegam a zombar de suas perguntas. Surge também a figura sarcástica e sinistra do Dr. Naehring (Max von Sydow), a quem Teddy suspeita ser um nazista que está praticando suas experiências na América – como lobotomia e uso de drogas radicais.

A única pessoa que parece entender o policial é o seu novo parceiro Chuck (Mark Ruffalo). Aos poucos, vamos descobrindo por flashbacks que, no meio de todos aqueles psicopatas, o protagonista é um sujeito atormentado por uma constante dor de cabeça e o pior: algumas lembranças não o deixam em paz – ele é um ex-soldado que presenciou os terrores da Segunda Guerra. Além disso, ele descobre que o homem causador do incêndio que dizimou o prédio onde morava, causando consequentemente a morte de sua esposa (Michelle Willians), está preso no local.

Em sua quarta parceria com Leonardo DiCaprio (fora esse, eles colaboraram em Gangues de Nova York, O Aviador e Os Infiltrados), Martin Scorsese fez uma homenagem aos antigos filmes B, utilizando características de obras cinematográficas que o influenciaram. Está tudo lá. O cientista louco, delírios, alucinações, o mistério, frases-clichê, a fumaça, muito dos longas de Roger Corman, com quem Scorsese trabalhou, até lampejos de obras de Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick (O Iluminado), Mario Bava, Jacques Tourneur e Don Siegel. Claro, também há instantes que remetem aos próprios clássicos de Scorsese. A fumaça e a chuva de Táxi Driver são as primeiras características que vem à mente para conhecedores da filmografia do diretor.

Ilha do Medo, apesar de transbordar tensão, loucura e paranóia, não faz parte do gênero terror, como o trailer deu a entender. E nem investe na violência física dos trabalhos anteriores de Scorsese. Aqui, o cineasta insere a violência de forma psicológica, e assume sua opinião de que todo ser humano é violento, como diz o diretor da prisão em certo momento da trama. Para ele, basta que qualquer um de nós seja colocado numa situação limite para se tornar agressivo, selvagem.

Para quem ainda tiver alguma dúvida sobre essa opinião do cineasta, uma boa dica é a leitura de Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n Roll Salvou Hollywood, no qual o autor Peter Biskind retrata Scorsese como alguém que evita confrontos diretos com outras pessoas e despeja toda sua ira nos filmes que realiza.

Alçado à categoria dos gênio da sétima arte, e após ter ganhado o Oscar de Direção por seu longa anterior, Os Infiltrados, Martin sabiamente evitou a pressão por uma nova obra prima, por novos prêmios. Ao fazer um filme “menor” (e o “menor” dele ainda é muito maior que as obras de outros diretores), de forma esperta, ele quis dizer: estou fazendo um filme desencanado. E assim, evitou os bombardeios da crítica, que, inclusive, relevou alguns defeitos do longa – o final pode ser percebido com certa antecedência.

Mas Ilha do Medo é muito bem filmado, com todas as câmeras no lugar, montado de forma correta e com bela fotografia. Tecnicamente é uma aula de cinema. E conta com um elenco em grande fase. DiCaprio, por sinal, vive o personagem mais assombroso de sua carreira; Ben Kingsley dispensa comentários; Mark Rufallo, Michelle Willians, Patricia Clarkson, Jackie Earle Haley (em curta aparição, porém marcante como sempre), até o elenco de coadjuvantes e figurantes, todos correspondem.

Se um thriller tem a missão de causar tensão na plateia e de mantê-la concentrada na tela até o fim da projeção, “Ilha do Medo” cumpre seu dever com louvor. É um filme de Scorsese, mas não é um filme de Scorsese. E só por isso, já vale a conferida.

ILHA DO MEDO
Martin Scorsese
[Shutter Island, EUA, 2010]

NOTA: 7,5

Encontrou um erro? Fale com a gente

Editor