Crítica: A Guerra Está Declarada, de Valérie Donzelli

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A VIDA NÃO DÁ TRÉGUA
Sem melodrama e com recursos pop, A Guerra Está Declarada é experiência tocante (e autobiográfica) sobre um casal e seu filho com câncer. Atores retratam a própria história

Por Paulo Floro

Romeo e Julliete estão em um hospital. O filho deles tem um tumor no cérebro e encontra-se internado. Eles começam a questionar o porque do destino tê-los escolhido. “Porque isto está acontecendo conosco? Porque Adam nasceu desse jeito”, questiona Romeo. “Porque nos podemos superar isso”, responde sua mulher. Tratando de um tema tão doloroso, é difícil para um filme fugir do melodrama e do sentamentalismo. E quando a diretora vivenciou tudo que passa na tela? Valérie Donzelli faz um relato autobiográfico em A Guerra Está Declarada, longa que surpreende por trazer humor e frescor pop à um assunto tão delicado.

Valérie, que também assina o roteiro, interpreta Juliette. Seu ex-marido Jéremie Elkaïm é Romeo. A coincidência shakespeareana vai além dos nomes e encontra um contexto trágico depois que eles descobrem o pequeno Adam está com câncer. Eles enfrentam o problema juntos e o longa mostra a luta para se manterem unidos e ligados afetivamente. Em determinado ponto, logo após o triste diagnóstico, escutam no rádio sobre o início da guerra contra o Iraque. É uma deixa para comparar o nome do filme, mas na verdade a guerra enfrentada aqui é contra o destino, contra uma ameaça que ninguém consegue compreender, até mesmo contra Deus.

Entricheirados, Romeo e Juliette fazem de tudo para não se darem por vencido. Eles precisam lidar não só com o pequeno rebento doente, mas também com a família, o sistema de saúde francês, o trabalho e o relacionamento entre os dois. Sem dramalhão, a proposta encontrada pela diretora para contar essa história foi usar interpretações com muita naturalidade misturada à soluções visuais que dão leveza às cenas, mesmo as mais dolorosas. Há lugar até para um momento musical, com o casal cantando uma declaração de amor enquanto partem para o início do tratamento do filho. Ou cenas que lembram um videoclipe.

Há também momentos de humor bem pontuados misturados com trejeitos típicos do cinema francês mais clássico, que chegam a remeter à Nouvelle Vague, e também mais contemporâneos, a exemplo das canções bem utilizadas, parecido com o que Chistophe Honoré fez em Canções de Amor. Donzelli é uma diretora que sabe correr riscos ao propor essa catarse do que passou com seu filho de uma maneira inusitada.

Descobrir que Elkïm e Donzelli realmente passaram pelas situações mostradas na tela torna a experiência de assistir A Guerra Está Declarada mais emocionante. Mas, é mais provável que o público brasileiro desconheça essa história. Na França, o casal é conhecido e o final é sabido pela maioria. Desconhecer isso causa tensão para saber o que acontecerá com o menino Adam e seus pais. Valérie chamou atenção em seu país pelo modo como contou sua versão e pela sensibilidade em tratar o assunto. O longa foi a escolha francesa para indicação ao Oscar de língua estrangeira (mas não foi selecionado) e chamou atenção na Semana da Crítica do Festival de Cannes.

Valerie mostra muita preocupação estética e isso colabora positivamente para sua história. A sua maior contribuição, no entanto, é a lição de esperança que traz com esse filme. É sempre bom ver que o cinema consegue mostrar um novo modo de olhar para essas tragédias da vida. Um dos melhores filmes do ano.

a guerraA GUERRA ESTÁ DECLARADA
Valérie Donzelli
[La Guerre Est Déclarée, FRA, 2011]
Imovision
[Recomendado]

Nota: 9,4